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quarta-feira, 27 de julho de 2016

Quantos epitáfios toda uma vida é feita?

 A verdade é que a gente sempre acha que, depois de um estrondo, aquele zumbido no ouvido nunca vai passar. Mas passa. Quando menos esperamos, acaba. Nenhum dano pode ser tão permanente assim na vida. A única morte que mata é a dos órgãos. De todas as outras - de amor, de medo ou de dor - a gente revive na manhã seguinte. É certo que o sol pode demorar a raiar, de semanas à décadas, mas que a lua sempre dará lugar a ele, uma hora ou outra, todo mundo está cansado de saber. A verdade é que existe sempre um outro alguém por quem vale à pena escrever uma prosa e um outro sorriso pelo qual vale à pena sorrir. A gente sai de um quarto escuro achando que a visão será para sempre manchada, mas não. Não se sai intacto de um baque, mas se sai vivo. E cada resto de vida, ainda é vida. Apesar dos danos, das deficiências e dos pedacinhos que a gente vai deixando pelo caminho, existe sempre uma prótese pra consertar. Porque morrer a gente morre todo dia, se não for de dor de dente, é de dor de cotovelo. Mas e daí? quem é que sabe de quantos epitáfios toda uma vida é feita? A verdade é que a cada dia que a gente acha que morre e encontra uma frase perfeita para um discurso póstumo, a gente renasce e descobre que, não, não é para tanto. A gente renasce e descobre que ainda estamos distantes do fim. E talvez a gente morra na manhã seguinte de novo: se não for de medo, é de fome. E, no entanto, tudo segue intacto no restante do universo. Cabe a nós descobrir os outros sonhos para sonhar, outros caminhos a seguir e outros amores pra amar. A verdade é que a gente sempre acha que vai morrer de amor, mas, na verdade, é disso que a gente vive.

A.C

segunda-feira, 20 de abril de 2015

CINZENTOS

Jamais perguntaram às borboletas se elas preferiam fincar os pés na terra ao invés de morrerem esmagadas em uma janela fechada de carro. Jamais perguntaram às cobras se elas gostam de rastejar pelo chão e gastar as peçonhas com calcanhares de bichos venenosos. Queria eu saber se os pássaros não sentem inveja dos peixes e se as montanhas gostam de dançar. Nunca vi alguém questionar a vida. É porque é e nunca deixou de ser. E se as pegadas não precisassem de pés para serem marcadas? E se as águas não precisassem do vento para formarem ondas? E se a saudade, o amor e as lembranças não precisasse de mim? Difícil enxergar pelo ângulo mais fácil. Brechas e desconfortos são sempre mais cômodos. Nunca perguntei ao silêncio se ele gostava das minhas lágrimas em madrugadas petulantes, nunca quis saber se o travesseiro gosta de tanta inquietação e poesia melodramática. Eu já não gosto de ser quem nasci para ser. Enjoei das minhas olheiras e lábios ressecados, das minhas dúvidas e certezas. Mudar o velho vaso de planta do lugar não me preenche como a rotina. Estou cansado das mudanças não mudarem. Estou cansado de ver Lua e Sol e mesmo assim me sentir como um crepúsculo alaranjado; estou cansado de ser alegre e triste e sorrir largo da mesma maneira; estou cansado de ir à batizados e enterros quando nem mesmo sei em qual deles devo chorar. Afinal, ninguém perguntou para a vida se ela gosta de permanecer ou para a morte se ela gosta de partir. Talvez o que precise se chame “inversos”. Que a tristeza finque o pé no chão um dia e diga que não irá chorar. Que o ciúmes se decida e me convença que meus olhos mentem, e que meus olhos se cansem de enxergar. Ninguém perguntou à realidade se ela é realmente a dona da razão e se a mentira mente o tempo inteiro. Ninguém perguntou aos sábios se eles gostam da loucura ou para os livros se eles conformam-se com teias de aranhas. Ninguém perguntou a minha alma se ela já está cansada de cair em precipícios infinitos. Eu gostaria de saber se a vida gosta de ser vivida, se o espelho é mesmo o que está ao contrário, ou se nós estamos do lado errado. Todos clamam por sabedoria, mas ninguém quer saber de lagartas arrependidas por abraçarem o vento.

- A.K

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

▬ Prefiro estar aqui


 
Esse não é apenas um momento qualquer ou apenas mais um. É o momento de encarar a realidade como é. Não é apenas mais um episódio bobo em suas histórias sem pé nem cabeça. Você vive alimentando suas mentiras de pratos vazios, e oferecendo ilusões para qualquer um que passa, como um entregador de panfletos. Meu negócio sempre foi ir embora quando minhas costas não sustentassem mais do que o peso  de meu mundo. E de certa forma eu continuo fazendo isso.
 Todos sabem que é uma fachada. Fachada de novas risadas, beijos sem gostos e abraços vazios. Alguém realmente acredita nisso, me diga? Essa sua necessidade de povoar sua solidão em outros corpos e em amizades vazias não é notícia nova, querido. Convidados e mais convidados, e porque ele foi convidado? Deve para sustentar seus pés, pois se eles estivessem firmes como os meus, fincados à sete palmos da terra, você me veria sozinha. Isso bastaria, a sua coragem.
 Querido, mais uma coisa: tudo o que você me disse não parece convincente, ou tão convincente quanto os sorrisos de propagandas de pasta de dente. Na verdade, nem sei porque estou escrevendo. Na verdade, nem sei o que estou pensando ao certo, mas de uma coisa eu sei: eu não sei o que estou perdendo e talvez eu nem queira saber o que estou perdendo. Ainda prefiro a minha própria companhia, os meus risos sinceros e minhas tristezas reais. Pois para você, que vive nesse mundo de fantasias, o meu sorriso fez seus balões murcharem,  seu arco-íris (paraguaio) desaparecer e as nuvens povoarem seu céu.
  E não se esqueça: eu estou bem. Eu estou dançando lentamente em um quarto em chamas e não sinto nada. Não sinto nada que antes me fazia mal. As queimaduras apenas me lembram de que estou viva. E é por isso que estou aqui no meu quarto, em uma quinta-feira, dançando. É uma celebração, de coisas mais pesadas do que a sua realidade de mentira. Eu espero que um dia você sinta isso, ou que você encontre um professor de teatro melhor.

A.K

quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

ENTRE ASPAS: LOST


Quando ando no meio de outras pessoas não me sinto bem. O que elas falam e o entusiasmo que demonstram nada têm a ver comigo. O mais curioso é que justamente quando estou na companhia delas é que me sinto mais forte. Me vem a ideia seguinte: se podem existir só com esses fragmentos de coisas, então eu também posso. Mas é quando estou sozinho e todas as comparações se reduzem a mim mesmo contra a história, contra o meu fim, contra as paredes, contra a minha própria respiração, que começam a ocorrer coisas estranhas. Sou um sujeito evidentemente fraco. Experimentei ler a bíblia, os filósofos, os poetas, mas para mim, de certo ponto, erraram de alvo. Ficam falando de uma coisa completamente diversa. Por isso há muito tempo desisti de ler. Encontro um pouco de conforto na bebida, no jogo e no sexo, e dessa forma me assemelho bastante a qualquer membro da comunidade, da cidade e do país; a única diferença é que não tenho o menor interesse em “vencer”, constituir família, ter casa própria, um emprego respeitável etc e tal. Portanto, lá estava eu: sem ter nada de intelectual, de artista; nem tampouco as raízes redentoras do homem comum. Me sentia dependurado com uma espécie de rótulo indefinido e muito receio, sim, que isso marcasse o início da loucura.
—  Charles Bukowski.

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

ENTRE ASPAS: Alone


“Estar sozinha é engraçado, louco, angustiante, libertário e triste, tal qual estar com alguém. No entanto, estar sozinha é absolutamente o oposto de estar com alguém. Estar sozinha é fechar as mãos no nada quando se atravessa a rua correndo e não se tem uma mão para segurar. É acordar sem saber o que será do dia porque planejar sozinha dá preguiça. É falar a coisa mais engraçada do mundo para alguém que não vai rir, porque ninguém te entende tão bem. É ficar louca sem cúmplice. Não tem graça ser fora da lei sozinha. É querer contar tanta coisa para alguém, mas para quem? A vida simplesmente acontece para quem está sozinha, às vezes sem que a gente perceba, pois é mais fácil ter noção de si mesma através de outra pessoa. Estar sozinha é fazer dengo sozinha na cama, sem ninguém para apenas encaminhar o ombro um pouco mais perto. É comer doce demais porque sua boca precisa de um incentivo para continuar salivando vida. É comer doce demais porque estar sozinha dá uma tremedeira estúpida de hipoglicemia. É o doce que substitui mal e amargamente o sexo. Estar sozinha é dormir até tarde no domingo. Não para congelar o tempo na alegria, mas para fazer de conta que o tempo não existe. É conviver com a ansiedade de que você pode encontrar alguém especial a cada esquina, então você tenta ficar bonita. Mas seus olhos não mentem o cansaço da espera e a tristeza de estar solta e você fica feia. É ter a sensação de que ninguém te olha, pelo menos não como você gostaria de ser olhada. Estar sozinha é estar solta e, no entanto, é estar amarrada ao chão porque nada te faz flutuar, sonhar, divagar. Estar sozinho, ou estar sozinha, pode acontecer com qualquer um. E você torce para que aconteça com a sua melhor amiga ou com aquele homem que você gostaria de experimentar como uma pílula para a sua solidão. Estar sozinha é não suportar ouvir a palavra solidão porque ela faz sentido. E o sentido dela dói demais. Estar sozinha é ter uma risada nervosa, de quem segura um grito e um choro enquanto ri. Um riso falso para se convencer de que é possível ficar sozinha sem ficar deprimida. Estar sozinha é usar roupas provocantes sem se sentir sexy com elas. É conferir a caixa de e-mails com uma freqüência que beira a compulsão. É chorar do nada. É acordar do nada. É morrer de medo do nada que fica no estômago. Estar sozinha é uma coisa física, ou melhor, é a falta dela. Você se sente oca por dentro, por isso aquele respiro profundo de lamentação. É cogitar enlouquecer. O ombro pesa porque é tenso ficar sozinha. E porque não tem ninguém pra te fazer massagem também. Quando chove, venta, escurece e você está sozinha, você lembra de Deus e do quanto é pequeno. Estar sozinha é se aproximar de Deus por piedade própria e não por agradecimento, que é o que nos faz aproximar Dele quando estamos amando. Estar sozinha é detestar ficar em casa. Ficar em casa sozinha, quando se está sozinha, é muita solidão. Então você sai, só para não ficar em casa sozinha. E descobre o quanto você é sozinha. E volta pra casa sozinha e chora vendo fotos. Estar sozinha é implorar paixão e loucura com um olhar para o carro ao lado, segundos antes de você ver que ele não está sozinho. É trabalhar para passar o tempo e só conseguir escrever títulos, roteiros, spots e textos chatos, sem inspiração. É procurar um olhar pela rua e andar por aí com cara de louca. É estar pronta para algo novo e não agüentar mais dias iguais. É ocupar a vida de açúcar, intrigas, fofocas, encrencas. Aventuras tortas. É ocupar a vida dos outros com reclamações, lamentações, dúvidas e carências. Resumindo: estar sozinha é triste, enche o saco dos outros e deve fazer mal para a saúde.”  

— Tati Bernardi.

 Por : A.K

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

ENTRE ASPAS: ASTRONAUTA

Parte 3:  Nem sempre estive aqui
Sei de onde vim e pra onde quero ir
Nem sempre que te vi
Tive vontade de sorrir ou de refletir

E nem sempre recebi um abraço
Com a mesma força que entreguei
Nem sempre senti que havia laço
Com aquela cruz que eu carreguei

Me sinto mais forte hoje em dia
E era a sorte que eu tinha
É que vi na morte uma travessia
Através do norte, eu subia

Às vezes eu me guiava pelo vento
E até me perdia no tempo
Mas pude encontrar o meu templo
No que até hoje, enfrento

E em frente a mim, nada mais
Apenas esse momento de paz



 Autoria:  Ferdinando Franz 

Por : A.K

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

ENTRE ASPAS: Suficientes um para o outro

Certa vez me disseram que eu era boa demais para você. Colocaram meu amor a leilão e apostaram que logo apareceria alguém melhor. Um cara que realmente se importasse ao invés de alguém que fica semanas sem telefonar e manda uma mensagem no meio da madrugada, dias depois do último encontro, dizendo que está com saudade. Como se essa palavra fosse a senha do meu coração. Disseram que eu deveria conhecer pessoas novas. Entrar num curso de gastronomia, viajar para Europa nas férias ou ocupar os meus domingos com idas ao parque. Nunca fiz nada disso, pois tive certeza que jamais de encontraria nesses lugares. Passei pelo caminho mais longo só para talvez te ver casualmente saindo da faculdade, fui todas as sextas do último mês naquela balada que nos conhecemos e aos domingos, escrevi e apaguei mensagens que nunca foram enviadas ao som daquela música. Você nem deve saber o nome da nossa música.Eu sei que o problema não é comigo. É você e esse medo de se prender a alguém e gostar da sensação. Prefere continuar caindo ao invés de descobrir se o paraquedas funciona. Queria que soubesse, mas queria que soubesse antes que seja tarde, nem todo mundo é como o seu pai. Os fantasmas mais assustadores são àqueles que nós mesmos criamos. Já te disse, e repito, sua vida não deve ser uma consequência dos erros que ele cometeu quando você ainda nem podia sentar no banco da frente do carro. A única herança que é sua por direito, além desses lindos olhos azuis, que às vezes me parecem verdes, é o lugar onde você e sua irmã vivem. Agora está escuro lá. Talvez frio. Mas logo vocês descobrem como se liga a luz.Fico pensando, ninguém te conhece de verdade. Se você os desse essa oportunidade. Certamente, veriam o que eu vejo. Sentiram o que eu sinto. Eles acham que é só mais um caso perdido e vai acabar como todos os outros garotos. Enxergando o mundo na mesma perspectiva até o último dia. Esse não é o seu final. De longe, percebi dia desses enquanto pegava o metrô, todo mundo é só um ponto solitário. Ao seu lado, no entanto, somos dois. Quem sabe, um dia, três. O mistério das reticências combinam com a gente.Sinto falta das nossas conversas sobre o que já não falo com ninguém. Dos seus desabafos bem no meio da melhor parte do filme. Parece bobagem, mas era bom ter um espaço no sofá da sua sala. Um dia fomos grandes amigos. Os conselhos que deu já me levaram para diferentes lugares. Até que seu ombro passou a ser meu travesseiro mais macio. Eu me apaixonei perdidamente por aquele cara que sabia sempre o que dizer. O problema é que deixamos o amor nascer em um labirinto e agora, nossa antiga amizade, não consegue encontrar a saída. Os sinalizadores estão queimando tudo o que sobrou e você continua olhando para o outro lado.Essa é a última vez. Antes de me despedir e apertar o botão sem volta, que leva estas palavras até você, aviso. Eu não quero te consertar. Nunca quis. Quero é provar que podemos ser exatamente assim, cheios de defeitos e sem nenhuma garantia. Invisíveis para o resto mundo, mas o suficiente um para o outro.


De: Bruna Vieira           Por: A.K

terça-feira, 1 de julho de 2014

— Os esquizofrênicos.

As forças esvaiam-se de seu corpo como folhas secas numa tarde onde o outono sopra seus ventos lúgubres. Embora sorrisse, curvando-se a cada gargalhada, sua alma chorava. Não estava mais em si, sua psicose ganhara vida. Adormeceu e sonhara com uma terra encantada onde a paz reinava e não havia guerras nem preconceito. Que disparate! Ele mesmo rira de sua utopia frágil e escandalosa, vejam só: paz e um mundo onde todo mundo era bom! Isso nunca existiu, meus caros! Nunca! Paranoia? Esquizofrenia? Lacan não vive mais, quem dirá Freud, quem agora explicaria seu surto? Não, de forma alguma seriam esses doutorzinhos imberbes. A psicose era sua válvula de escape, e assim seria para sempre, era um preço barato comparado à sua realidade dilacerante. Quem condenaria um louco? Mas a verdade era que, por baixo de sua loucura ele permanecia sóbrio… Dormira de novo e acordara, que sorte! A loucura não o matara, ainda. O coelho da páscoa que visitara seu sonho trouxera um ovo recheado de esperança… Até que acordou e teve o vislumbre daquela corda nociva presa ao galho da árvore esperando por seu corpo, sua alma… Era essa a esperança que lhe restara. Mas calma… Quem era mais louco? O psicótico ou o autor que o inventara? Seria eu poço dessa loucura? Não… Não poderia ser, a sobriedade ainda me cobria da cabeça aos pés. Minha neurose permanecia intacta, por enquanto. Mas voltando ao louco, ele despede-se de mim agora. Tchau, louco! Adeus! Não me apareça novamente, não me roube o sono, seu psicótico maldito. Não ousarei sair da cama para escrever sobre você de novo, adeus…


Ana Karolyna